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É Tudo Verdade 2010 – Dias 3 e 4

Uma observação: este é meu último post sobre o É Tudo Verdade 2010. Eu vi outros filmes além dos dois comentados abaixo, mas estou com pouco tempo para escrever sobre tudo. Só estes me interessaram de verdade no festival.

La Danse, o Balé da Ópera de Paris
Frederick Wiseman – 2009 – França, EUA

Documentário sobre o imenso Palácio Garnier, sede de uma das maiores companhias de balé do mundo. São quase três horas explorando o máximo de espaços possíveis: salas, palcos, porões, corredores vazios, refeitórios e até telhados com criação de abelhas! A metáfora do prédio como colméia inclui uma administradora zelosa como uma rainha abelha. Não necessariamente aprendemos sobre o funcionamento da companhia (embora haja um pouco disso) ou quem trabalha lá (não há entrevistas), mas muito sobre como é estar lá. Sem romantismos: planos aéreos de Paris intercalam o filme, lembrando que a companhia não está separada do mundo; reuniões sobre dinheiro, patrocínios e condições trabalhistas são constantes. Wiseman filma também os anônimos que dão vida a companhia, como costureiros, faxineiros, etc (e quase todos os trabalhadores braçais são negros). Por fim, graças aos memoráveis planos-sequência nos ensaios (incrível uso de espelhos!) e apresentações, este também é um filme sobre movimento físico de corpos, ou melhor, sobre a tentativa de sincronizar movimento com música. Também é sobre a dificuldade de descrever em palavras (quando os professores querem algo dos alunos) o que só se expressa em ações (o velho dilema da crítica de cinema…). Eu tenho zero interesse por balé, mas poucas idéias são mais cinematográficas que essas.

Ruhr
James Benning – 2009 – Alemanha

O veterano norte-americano James Benning retrata Ruhr, uma região industrial da Alemanha, em sete planos-sequência de câmera imóvel. Cada plano é ambientado num local específico da região e é mais longo que o anterior: o 1° dura 7 minutos, enquanto o último ocupa metade do filme, com 1 hora de duração (filme é formato Digital-HD). Independente da duração, os planos são longos o bastante para você vasculhá-los, pois cada detalhe – incluindo posição da câmera, som, e a presença (ou mais evidente, a ausência) de pessoas em cena – têm importância.

Alguns exemplos: o 2º plano – uma fábrica cujas máquinas trabalham sozinhas – me parece um comentário sobre a automatização da indústria (só dois operários aparecem de forma breve e quase imperceptível, como se fossem inúteis). No 3º, uma floresta próxima de um aeroporto é tão tranquila que somente os aviões decolando periodicamente denunciam a passagem de tempo (o tempo enquanto construção do homem). Já o 4º, uma cerimônia religiosa dentro de uma mesquita, contrasta a atividade espiritual e comunitária da mesquita com o automatismo desses e outros planos.

Por fim, no 7º plano, uma enorme torre industrial expele periodiamente uma coluna de fumaça no céu tão grossa que oculta completamente nossa visão da torre, enquanto lentamente anoitece. O longo ciclo de movimentos repetitivos e a alteração da luz são hipnóticos: as connquistas do homem são mesmo impressionantes, mas têm seu impacto no mundo (no caso da torre, ambiental). Este plano amplia e radicaliza (ainda mais…) a experiência fascinante e alienígena que Ruhr proporciona. O filme exige um olhar diferenciado, mais paciente, ou seja, o oposto do mundo autômato que Benning retrata em boa parte de Ruhr. Por outro lado, ao nos entregarmos a contemplação que o filme exige, também nos entregamos a esse mundo mecanizado. Esse, no fundo, parece ser o dilema que Ruhr propõe.

21/04/2010 at 6:35 pm 5 comentários


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